As tentações de Jesus na realidade de hoje

O Evangelho que nos familiariza com Jesus e sua prática, vai nos proporcionando lições fundamentais para a transformação da realidade que vivemos em nossos dias. Assim, tal como aconteceu com o povo hebreu que caminhou 40 anos no deserto em busca da terra prometida, enfrentando desânimos e tentações de voltar atrás, porém, animados por Moisés e outras lideranças, conseguiu chegar ao objetivo, também Jesus, após 40 dias de jejum e oração, no deserto, também é assediado pela tentação, porém, cheio do Espírito Santo, repudia as propostas tentadoras do diabo.

O Evangelho deste 1º domingo da Quaresma (Lc 4, 1-13), nos relata a situação de fragilidade física de Jesus após 40 dias de jejum no deserto, sendo submetido a três formas de tentação apresentadas pelo espírito do mal, encontrando a força espiritual para repudiá-las mostrando os ensinamentos do Pai. As três formas de tentação a que Jesus é submetido na narração do evangelista Lucas, nos oferecem uma rica reflexão para aplicarmos os ensinamentos do Mestre para a nossa vida em sociedade.

Depois de quarenta dias sem comer, o diabo diz então a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. E Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só de pão vive o homem”. Segundo documentos da Campanha da Fraternidade, no Brasil, estima-se que 14 milhões de toneladas de alimentos são descartados a cada dia, quantidade suficiente para alimentar em torno de 19 milhões de pessoas. Só na cidade de São Paulo, as 900 feiras livres que funcionam em um ou dois dias da semana, descartam diariamente, 400 toneladas de frutas, legumes, verduras, etc., inservíveis para a comercialização e que vão para o lixo dos resíduos sólidos. Hoje, desse total, 7 toneladas já passam por processo de compostagem que transforma esses resíduos em adubo orgânico, aliviando os aterros sanitários.

Nessa tentação da fome, quanto desperdício de alimentos não se pratica pelos exageros cometidos por aqueles que são abonados pelo dinheiro. Quantos alimentos negados ao pobre e faminto, são jogados no lixo como sobras das mesas abastadas!

A segunda tentação a que o diabo submete Jesus vai no âmbito do poder. O poder dominador, que oprime e submete os irmãos à subserviência. O Evangelho diz: “O diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante, todos os reinos do mundo e lhe disse: ‘Eu te darei todo este poder e toda a sua gloria, porque tudo isso foi entregue a mim e posso dá-lo a quem eu quiser. Portanto se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu’. Jesus respondeu: ‘A Escritura diz: Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás’”.

Quantas pessoas entregam sua alma ao diabo em troca do poder. Descartam a Justiça, a Ética, passam longe da solidariedade em troca de poderem experimentar o domínio sobre seus semelhantes. O poder governamental institucionalizado, o poder econômico, o poder dos meios de comunicação, o poder dos cargos de comando nas estruturas e até dentro das próprias pastorais, enfim, uma tentação que encontra muitos homens e mulheres vulneráveis, de espírito fragilizado e que cedem facilmente às propostas do gênio do mal. Deixam longe a prática do poder serviço, aquela que busca construir o empoderamento dos semelhantes, repassando-lhes conhecimentos, instrumentos tecnológicos, ou seja, construindo cidadania ativa na pessoa de seus irmãos. Quando Jesus diz ao diabo: “Adorarás ao Senhor teu Deus e só a Ele servirás”, está nos abrindo o caminho de estarmos sempre ao lado da Justiça, da Verdade, da Ética, da Solidariedade, da prática do Amor (que é a presença do próprio Deus em nós).

Finalmente, na terceira tentação apresentada pelo diabo a Jesus, levando-o à parte mais alta do templo, lhe diz: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado! E mais ainda: eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. Jesus porém, respondeu: ‘A Escritura diz: Não tentarás o Senhor teu Deus’”. Quantas vezes nós somos tentados a desafiar Deus para testar a fraqueza da nossa fé.

Como o mundo seria diferente se a maioria dos seres humanos pudesse aprender com o Evangelho a forma de convivência social!

Antonio Oswaldo Storel
Coordenador do CNLB Diocese de Piracicaba