O contemporâneo vai se constituindo como um tempo aberto, indefinido, no que tange ao campo religioso. É um tempo de incertezas, marcado, sobretudo, por perspectivas relativistas, alheias à noção de uma verdade perene. Paradoxalmente, novas designações religiosas, assumindo inusitados discernimentos éticos e doutrinais, prosperam e se fortalecem, ganhando cada vez mais espaço e projeção.
É preciso, então, analisar, com critério, essa nova face que tem definido a religião na atualidade. O grande desafio que se impõe às religiões tradicionais consiste justamente em estabelecer um diálogo com as demandas do contemporâneo sem perderem suas identidades confessionais. Os múltiplos apelos do mundo repercutem, de maneira contundente, nas concepções religiosas, exigindo delas respostas novas, ousadas e atuais. As religiões não estão imunes aos temas fundamentais das sociedades.
Em estudos comparados, evidencia-se que as tradições religiosas são portadoras e guardiãs de elevadas construções, articulações culturais. Por trás de cada grande religião, há profundas compreensões, forjadas em milênios de história humana, acerca da vida, do mundo, do sagrado. As religiões tradicionais contemplam uma sabedoria perene, fundamental, sendo depositárias de uma riqueza cultural imprescindível para o tempo contemporâneo.
As grandes tradições religiosas se apresentam como fontes fecundas que podem ofertar à humanidade um denso conhecimento sobre as dimensões da própria existência, apontando caminhos para o sagrado mistério da vida. A longa trajetória de busca e aproximação ao Sagrado acaba por credenciar as religiões tradicionais a pensarem também o humano. Dogmas, doutrinas, rituais, liturgias desvelam-se como perspectivas para se vislumbrar o sublime mistério da vida e da morte. Esse imenso legado e capital cultural não podem ser esquecidos e ignorados.
A aproximação às grandes tradições religiosas deve ser sempre mediada pelas dimensões do respeito, do reconhecimento e da admiração. Tal postura não pode significar, não obstante, a ausência de discernimento crítico. As religiões tradicionais, ao se colocarem como esferas de mediação entre o Sagrado e o humano, projetam-se como instâncias de defesa e de serviço à vida.
É impensável que, em nome de determinada religião, a vida seja ameaçada, agredida. Em sua essencialidade a religião deve conduzir-nos ao encontro com o Sagrado, fonte, origem e destino de toda criação. Nessa dinâmica torna-se possível se identificar, nas religiões tradicionais, o que podemos chamar de fundamento cristão – princípio crístico. De certa maneira a base substancial da verdade cristã aparece também no substrato essencial das religiões tradicionais. Tal compreensão abre caminho tanto para o diálogo inter-religioso quanto para as relações ecumênicas, superando toda e qualquer forma de proselitismo, de fundamentalismo e de intolerância religiosa.
A profundidade e relevância dos ensinamentos e mensagens das grandes tradições religiosas não podem ser instrumentalizadas para servirem a interesses escusos e estranhos ao sentido da própria religião. As religiões tradicionais, portadoras de uma sabedoria perene, podem indicar caminhos e iluminar a nebulosidade, a confusão e a carência que marcam o tempo contemporâneo.
Prof. Dr. Adelino Francisco de Oliveira
Professor da Escola de Teologia para Leigos da Diocese de Piracicaba e do IFSP