Na doutrina católica, Indulgência (do latim indulgentia, que provém de indulgeo, "para ser gentil") é a remissão, total ou parcial, da pena temporal devida, para a justiça de Deus, pelos pecados que foram perdoados, ou seja, do mal causado como consequência do pecado já perdoado através da confissão sacramental, a remissão é concedida pela Igreja Católica no exercício do poder das chaves, por meio da aplicação dos superabundantes méritos de Cristo e dos santos, por algum motivo justo e razoável. Embora no sacramento da Penitência a culpa do pecado é removida, e com ele o castigo eterno devido aos pecados mortais, ainda permanece a pena temporal exigida pela Justiça Divina, e essa exigência deve ser cumprida na vida presente ou na depois da morte, isto é, no Purgatório. Uma indulgência oferece ao pecador penitente meios para cumprir esta dívida durante sua vida na terra, reparando o mal que teria sido cometido pelo pecado. No início da Igreja, especialmente a partir do século III, as autoridades eclesiásticas concediam aos cristãos indulgências para reduzir as penitências muito longas e severas. No século VI os participantes do Concílio de Borgonha substituíram para a prática de graves penitências canônicas por penitências mais leves. Tornou-se habitual a penitência de obras menos exigentes, tais como orações, esmolas e jejuns. Até o século X as indulgências consistiam em donativos piedosos, peregrinações e outras boas obras. Em seguida, no século XI e XII, o reconhecimento do valor destas obras começaram a associar-se não tanto com a penitência canônica, mas com remissão da pena temporal devida ao pecado. Em 22 de fevereiro de 1300, o Papa Bonifácio VIII institui o primeiro jubileu cristão por meio da bula Antiquorum habet fida relatio – Um documento digno de fé dos antigos relata, que concedeu uma indulgência extraordinária e plenária aos fiéis que fizessem uma peregrinação a Roma, ao túmulo de São Pedro.
A partir de então os jubileus e o anuncio de uma indulgência extraordinária foram comemorados com uma periodicidade de 50 anos, que se baseava no costume judaico (Ex 23, 10-11). A partir de 1475, o Papa Paulo II determinou que um Jubileu ordinário seja a cada 25 anos, para possibilitar que pelo menos uma geração se beneficiasse da graça do Jubileu. O Papa pode, conforme as circunstâncias, instituir um Ano Santo, ou Jubileu extraordinário. As esmolas das indulgências eram utilizadas em diversas obras de caridade, em igrejas, hospitais, leprosários, instituições beneficentes e escolas.
Abusos e Comércio de indulgências
Durante a Idade Média documentos declaravam que indulgências de caráter extraordinário foram concedidas. Documentos divulgavam indulgências de centenas ou mesmo milhares de anos. A fim de corrigir tais abusos, o Quarto Concílio de Latrão (1215) decretou que as indulgências não devem ter mais de 40 dias. A mesma restrição foi promulgada pelo Concílio de Ravena, em 1317. Em 1392, o Papa Bonifácio IX escreveu ao Bispo de Ferrara proibindo a prática de certos membros de ordens religiosas que falsamente alegavam que indulgências concederiam o perdão de todos os tipos de pecados. Diversos outros papas, tais como Clemente IV, João XXII, Martinho V e Sisto IV lutaram e proibiram abusos em relação às práticas das indulgências em sua época.
Apesar das restrições, o final da Idade Média viu o crescimento considerável de abusos, tais como a livre venda de indulgências por profissionais "perdoadores" (quaestores em latim). A pregação destes, em alguns casos era falsa, atribuindo às indulgências características muito além da doutrina oficial, alguns afirmaram que "Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório".
Reforma Protestante
A Igreja Católica reconheceu a existência de abusos ao longo dos séculos, e usou sua autoridade para corrigi-las. Porém, distúrbios posteriores na concessão indulgenciaria, seriam contestadas na Reforma Protestante. Em 1517, o Papa Leão X ofereceu indulgências para aqueles que dessem esmolas para reconstruir a Basílica de São Pedro, em Roma. O agressivo marketing de Johann Tetzel em promover esta causa e diversas divergências teológicas descritas posteriormente no manifesto dos Cinco Solas provocaram Martinho Lutero a escrever as 95 Teses (Tetzel seria inclusive punido por Leão X por seus sermões, que ia muito além dos ensinamentos reais sobre as indulgências). Embora Lutero não negasse o direito do Papa ou da Igreja de conceder perdões e penitências, ele afirmava que as indulgências não levariam a alma diretamente ao céu, uma vez que "o papa nenhuma pena dispensa às almas no purgatório das que segundo os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida."
Concílio de Trento
O Concílio de Trento debateu longamente sobre a natureza das indulgências. Em 16 de julho de 1562, este concílio em seu decreto "Sobre as indulgências" (Sess. XXV) declara: "Na concessão de indulgências, o Concílio deseja que a moderação seja observada de acordo com o antigo costume aprovado da Igreja Católica, contra a facilidade excessiva e o enfraquecimento da disciplina eclesiástica, e ainda mais, buscando corrigir os abusos que se infiltraram nesta, decreta que todo o ganho criminal ligado com ela deve ser considerado como uma fonte de abuso grave entre os fiéis, como outras doenças decorrentes da superstição, ignorância, irreverência, ou qualquer outra causa. O Concílio estabelece que cada bispo tem o dever de descobrir os abusos, tais como existem em sua própria diocese, trazê-los para o sínodo provincial, e denunciá-los, com o consentimento dos outros bispos, ao Romano Pontífice, em que serão tomadas medidas com autoridade e prudência para o bem-estar da Igreja em geral, de modo que o benefício das indulgências possa ser concedido a todos os fiéis por meio de uma via piedosa, santa, e livre de corrupção".
Apesar dessas punições, a ação dos quaestores continuou, assim o Concílio ordenou que estes deviam ser totalmente abolidos, e que as "indulgências e outros favores espirituais de que o fiel não deve ser privado", devia ser dado pelos bispos de maneira gratuita, "de modo que todos pudessem finalmente compreender que estes tesouros celestes foram dispensados por causa da piedade e não do lucro" (Sess. XXI, c. ix). Em 1567, o Papa São Pio V cancelou definitivamente todas as concessões de indulgências, envolvendo quaisquer taxas, ou outras transações financeiras.
Comissão e Congregação de Indulgências
Após o Concílio de Trento, Clemente VIII estabeleceu uma comissão de cardeais para tratar da doutrina e concessão de indulgências. Esta comissão continuou o seu trabalho durante o pontificado de Paulo V, e publicou diversos decretos sobre o assunto. Posteriormente Clemente IX estabeleceu uma "Congregação das Indulgências e Relíquias", em 6 de julho de 1669. Em um Motu Proprio (De modo próprio) de 28 de janeiro de 1904, São Pio X fundiu a Congregação das Indulgências com a Congregação dos Ritos. Com a reestruturação da Cúria Romana, em 1908 todas as questões relativas as indulgências foram atribuídas à Congregação do Santo Ofício. Em um Motu Proprio de 25 de março de 1915, Bento XV transferiu as concessões de indulgências para a Penitenciaria Apostólica, embora o Santo Ofício e seu substituto, a Congregação para a Doutrina da Fé, manteve a responsabilidade para as questões relativas à doutrina das indulgências.
Para a doutrina católica, as indulgências são concedidas para reparar as penas temporais causadas pelo pecado, ou seja, para reparar o mal causado como consequência do pecado, através de boas obras, sendo que o pecado já foi perdoado pelo Sacramento da Confissão. Há um equívoco comum que indulgências seria o perdão dos pecados, contudo, elas só perdoam a pena temporal causada pelo pecado. Uma pessoa continua a ser obrigada a ter os seus pecados isentos por um sacerdote para receber a salvação. A Igreja Católica considera a indulgência semelhante ao "ladrão, que conseguindo o perdão daquele que foi roubado, deve restituir o dono com o dinheiro equivalente ao que foi extorquido". "Outro exemplo é o da tábua com pregos: nossa vida, comparada a uma tábua, tem nos pregos os pecados, que são retirados no sacramento da Penitência, restando, todavia, os furos, os buracos, que precisam ser tapados por boas obras (mortificação procurada, penitência imposta, e penas da vida)." A Igreja Católica acredita que a salvação tornada possível por Jesus Cristo permite ao pecador fiel a admissão no céu. O batismo livra o registro do pecador e resulta no perdão completo de todos os pecados, mas qualquer pecado cometido após o batismo origina uma penalidade que não foi perdoada. Pecados mortais, que são praticados por malícia ou por livre consentimento, extinguem a graça santa da alma do fiel e condenam-no ao inferno. Para estes pecadores, a graça tem de ser restaurada pela perfeita contrição, administrada através do Sacramento da Confissão; mesmo nesse caso, permanece uma penalidade temporal devida a Deus que deverá ser expiada neste mundo ou após a vida terrena. Outros pecados, menos graves, são perdoáveis e provocam uma penalidade devida a Deus, mesmo que não percam a salvação. Exemplos bíblicos de como a pena temporal deve ser paga podem ser vistos no fato de Davi, culpado por homicídio e adultério, mesmo depois de perdoado, teve como pena a morte de seu filho; também temos Moisés e Aarão que, embora foram perdoados por Deus, tiveram que sofrer a pena de não entrar na terra prometida.
As indulgências católicas removeriam, assim, algumas ou todas estas penalidades devidas pelos pecados dos fiéis; e pode ser feita em favor de si mesmo ou em favor de um defunto que se purifica no Purgatório pelas suas penas temporais, dependendo da obra de indulgência. Visitar uma Igreja e ou o cemitério na Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos (02/11) concede-se Indulgência Plenária aplicável apenas aos fiéis falecidos. Esta Indulgência se pode obter também até o dia 08 de novembro, com a piedosa visita ao Cemitério. O perdão total da pena temporal é a chamada Indulgência Plenária, as demais são Indulgências Parciais. As indulgências parciais possuem um certo número de dias, significando que, se o fiel rezar uma oração indulgenciada 300 dias, cumprindo as condições ordinárias (confissão, comunhão e visita a uma igreja ou oratório público) terá pago 300 dias de sua pena temporal. Em resposta às sugestões feitas ao Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI, esclareceu substancialmente a aplicação prática das indulgências, escrevendo: "Indulgências não podem ser adquiridas sem uma sincera conversão de perspectivas e de unidade com Deus". É conveniente, mas não é necessário que a Confissão sacramental, e em especial a sagrada Comunhão e a oração pelas intenções do Papa sejam feitas no mesmo dia em que se cumpre a obra indulgenciada, mas é suficiente que estes ritos sagrados e orações se cumpram dentro de alguns dias (cerca de 20), antes ou depois do ato indulgenciado. A oração segundo a intenção do Papa é deixada à escolha do fiel, mas sugere-se um "Pai Nosso" e uma "Ave Maria". Para diversas Indulgências plenárias, é suficiente uma Confissão sacramental, mas requerem-se uma distinta sagrada Comunhão e uma distinta prece, segundo a intenção do Santo Padre, para cada Indulgência plenária.
Exemplos de práticas
Entre as práticas que levam o católico a obter uma indulgência, há, por exemplo, a reza do Santo Rosário, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, a leitura piedosa das Sagradas Escrituras, o uso e devoção ao Escapulário de Nossa Senhora do Carmo, a visita ao Santíssimo Sacramento durante pelo menos 30 minutos, bem como o uso constante de um objeto de piedade, como cruzes, crucifixos, medalhas, que se forem devidamente benzidos pelo Papa ou por um Bispo podem conceder Indulgência Plenária. Ou ainda por um padre ou diácono que podem conceder indulgência parcial. Além disso, certas orações aprovadas pela autoridade eclesiástica também conferem indulgências, são algumas delas:
- "Nós vos damos graças, Senhor, por todos os vossos benefícios. Vós que viveis e reinais pelos séculos dos séculos. Amém".
- Santo Anjo (oração ao Anjo da Guarda).
- Angelus, Regina Caeli.
- Alma de Cristo.
- Creio.
- Ladainhas aprovadas pela Igreja.
- Magnificat.
- Lembrai-vos.
– Miserere (Sl 50).
- Ofício da Paixão de Cristo.
- O Ofício do Sagrado Coração de Jesus.
- O Ofício da Santíssima Virgem Maria.
- O Ofício da Imaculada Conceição.
- O Ofício de São José.
- Oração mental.
- Salve Rainha.
- Sinal da Cruz.
- Veni Creator.
- Santo Rosário.
Das primeiras formas de indulgências às que temos hoje em dia houve grandes modificações, visto que as antigas eram muito mais físicas, o que impossibilitava o cumprimento pelas pessoas mais idosas. Recorda-se que para a aquisição das Indulgências, plenária ou parcial requer-se sempre as condições de costume, ou seja: confissão sacramental, comunhão sacramental, rezar na intenção do Santo Padre, ter a intenção de lucrar a indulgência e o desapego ao pecado.
O que uma indulgência não é
A Catholic Encyclopedia, antes de conceituar o que é indulgência segundo a doutrina católica, possuí uma secção intitulada "What an indulgence is not" ("O que uma indulgência não é"), uma vez que segundo esta enciclopédia, "noções absurdas" tornaram-se corriqueiras na descrição do que é indulgência, e que isso "é óbvio para qualquer um que tem uma correta ideia do que a Igreja Católica realmente ensina sobre este assunto". A Catholic Encyclopedia cita como erros comuns daquilo que a indulgência não é:
- Não é uma permissão para cometer o pecado, nem o perdão do futuro pecado, que nem poderia ser concedida por qualquer poder.
- Não é o perdão da culpa do pecado, pois supõe que o pecado já foi perdoado.
- Não é uma isenção de qualquer lei ou dever, pelo contrário, significa um pagamento mais completo da dívida que o pecador deve a Deus. Não confere imunidade contra a tentação ou remove a possibilidade de lapsos subsequentes em pecado.
- Muito menos uma indulgência é a compra de um perdão que assegura ao comprador a salvação ou libera a alma de outro do Purgatório.
(Texto extraído de várias fontes e adaptado pelo Padre José Eduardo Sesso)
Piracicaba, 12 de setembro de 2019 - Memória do Santíssimo Nome de Maria.